Escritores deixam o formato impresso e apostam em narrativas interativas e georeferenciadas na Internet

por Ruleandson do Carmo

Livro-mapa: The 21 steps

Quem recorre à Internet para lhe auxiliar em seu dia a dia, provavelmente, já digitou algum endereço no Google Maps – serviço de mapas e rotas do Google – para descobrir como chegar ao destino desejado. Durante esse uso comum do serviço pode ser até que haja quem tenha buscado pelo trajeto mais rápido até a livraria preferida, para pegar aquele novo livro pelo qual tanto esperou. Até aqui, nenhuma novidade. O que é novo mesmo (ou pelo menos não tão conhecido assim) é a possibilidade de ler obras literárias diretamente do Google Maps. Alguns escritores tem apostado em narrativas interativas e georeferenciadas ao contar histórias. A premissa básica da iniciativa é bastante simples: os pontos marcados no mapa, gerado pelo serviço do Google, correspondem a capítulos, se compararmos aos livros em formato impresso, nos quais partes de uma história são contadas, enquanto o leitor navega pelo livro, o mapa. É como se a mente de quem lê ganhasse um GPS (sistema de posicionamento global) em versão literária para ajudá-lo a viajar junto com os personagens da obra, sabendo exatamente onde cada episódio narrado ocorreu.

O livro-mapa “The 21 Steps” (“Os 21 degraus”, em tradução livre), lançado no Google Maps em março de 2008, pelo escritor britânico Charles Cumming, parece ser a primeira história que utilizou o site de mapas como suporte. Acostumado a escrever histórias de suspense, Cumming participou do projeto “We tell stories” (“Nós contamos histórias”, em tradução livre) da editora londrina Penguin Books, que reuniu seis escritores para cumprir a missão de recontar histórias clássicas de ficção em formato digital, sendo que a Cumming foi dada a difícil tarefa de recontar uma das principais obras de suspense de todos os tempos, “Os 39 degraus” de John Buchan. O livro de Buchan conta a história do aventureiro Richard Hannay que se torna suspeito de um crime cometido no apartamento dele e viaja da Inglaterra à Escócia, tentando desvendar o assassinato e provar sua inocência. A historia, imortalizada no cinema pela versão cinematográfica de Alfred Hitchcock em 1935, inspirou Cumming a escrever uma versão digital tendo o Google Maps como suporte, com o objetivo de explorar as paisagens de cada local pelo qual o personagem principal passa durante a história, permitindo ao leitor ver imagens de satélite das localidades.

História de amor no e com o Google Maps


Visualizar Porra, BH ou 10 lugares pra te conhecer antes de morrer em um mapa maior

Cerca de dois anos após o lançamento de “The 21 Steps”, também no mês de março, mas no ano de 2010, o jornalista Rodrigo Ortega publicou “Porra, BH ou 10 lugares pra te conhecer antes de morrer” utilizando o Google Maps como suporte à história, cujo protagonista é Adolfo, um garoto que precisa realizar duas despedidas em um só dia: despedir-se da cidade de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, e de sua namorada Júlia. O “porra” no título do romance segue a onda virtual, iniciada na Internet durante o verão brasileiro de 2010, da criação de espaços para reclamações bem-humoradas na plataforma para microblogs multimídias Tumblr, como, por exemplo, o “Porra, São Pedro!”, com queixas irônicas às alterações climáticas no país, e o “Porra Kassab!”, com críticas ao prefeito de São Paulo, dentre outros.

Segundo Ortega, que antes de publicar sua história não conhecia o livro digital de Cumming, a escolha do Google Maps para abrigar o romance se deu por inspiração, após ler o mapa criado no citado site pela jornalista Isabel Colucci, publicado no serviço em fevereiro deste ano sob o título “Livros e Lugares”. No mapa de Isabel, o leitor pode indicar obras literárias que tenham como cenário alguma cidade real no mundo, associando a localização geográfica ao título e descrição das obras.


Visualizar Grande Sertão Veredas em um mapa maior

Diante de discussões e opiniões divididas acerca do futuro do livro impresso, o uso digital de serviços como o Google Maps para narrar histórias parece indicar que as ferramentas online podem despertar o interesse pela leitura em uma geração recente, que talvez possa ter dificuldades em ler um livro sem poder clicar em algum canto da página. Até o momento, em pouco mais de dois meses, “Livros e Lugares” contabiliza cerca 18 mil visualizações, enquanto “Porra, BH” soma aproximadamente sete mil em um mês de publicação.

Além da inspiração no trabalho de Isabel, Ortega, que estudou jornalismo na Universidade federal de Minas Gerais, em BH e hoje mora no Rio de Janeiro, capital, diz ter feito uma escolha emocional ao optar pelo Google Maps para contar a história de “Porra, BH”, um dos vários contos que costuma escrever. “O Google Maps é sempre lembrado como uma ferramenta útil, prática, mas também traz uma ligação emocional. Você pode ver os lugares da cidade, lembrar e imaginar coisas dali. Isso tinha a ver com a história que eu queria contar, de um personagem que estava se despedindo de uma pessoa e de Belo Horizonte. O Maps é a única ferramenta que te permite escrever em cima de qualquer lugar da cidade, fazer uma placa nos lugares em que você viveu ou imaginou. Além disso, é fácil organizar e acessar o conteúdo ali. Dava pra ter escrito em texto corrido, mas não seria tão legal fazer”, conta o jornalista e escritor.

Em um trecho do conto, que se passa em um primeiro de agosto, como homenagem à canção “Primeiro de Agosto” da banda belorizontina Transmissor, as palavras de Ortega falam sobre um coração que pode até marcar em um mapa os lugares por onde passou, mas que no fundo busca se localizar, se reencontrar em meio à saudade:

“Júlia conversa comigo num dia chuvoso e escuro, mas o rosto é um branco. Daí eu vi que ela está saindo de mim, mas não quero deixá-la espalhada por aí. Dona Jandira, minha mãe, me ensinou: ‘antes de ir embora, Augusto, devolve as coisas onde você encontrou’. Por isso aproveito a insônia pra devolver a Júlia pro mundo, pra BH. Resolvi marcar neste mapa as lembranças”.

Se a gama de serviços oferecidos pelo gigante da Internet Google (ainda) não inclui indicar aonde se encontra o amor ideal para o usuário, ao se utilizar o famoso sistema de buscas, há quem acredite que procurar por amor no mundo físico e/ou no mundo virtual são tarefas cada vez mais próximas. “Às vezes penso, e foi o caso de quando escrevi a história, que não são coisas diferentes: a gente está sempre procurando amor, mesmo quando fazemos as coisas mais banais como pesquisar no Google ou procurar endereços num mapa. Você sempre tem um objetivo ou uma motivação maior do que simplesmente buscar informações ou usar uma nova ferramenta. Mas, claro, encontrar o amor é muito mais difícil, porque é a tarefa final”, filosofa o autor de “Porra, BH”. O endereço preciso do amor não foi localizado, mas o endereço eletrônico das obras digitais citadas nesta reportagem, você encontra logo abaixo.